A igualdade moral e jurídica entre indivíduos é a mola mestra do constitucionalismo moderno. Sua tradução para a linguagem dos direitos se dá por demandas de distribuição de recursos (voltada à promoção de igualdade material) e de reconhecimento de status, perseguido por amplos programas de não-discriminação. Todas as constituições modernas e tratados globais e regionais de direitos humanos trazem em seu texto princípios de não-discriminação. A Constituição Federal Brasileira de 1988, por sua vez, foi enfática e abundante na adoção da mesma linguagem (art. 3º, IV, art. 5º, caput, XLI, art. 227, § 1º, I). Se, por um lado, a linguagem da não-discriminação é pervasiva nas normas constitucionais que moldam o ordenamento jurídico brasileiro, a prática da discriminação permanece enraizada no cotidiano da sociedade brasileira, que ainda a pratica em todas as suas modalidades, em variados espaços e com diferentes graus de visibilidade e naturalização. A história, a sociologia e a antropologia brasileiras produziram extenso conhecimento sobre o fenômeno da discriminação e as particularidades do caso brasileiro, e o diálogo com essas disciplinas facilita a identificação dos desafios do direito constitucional brasileiro nesse campo. É no fosso que existe entre a prática disseminada da discriminação e a ambiciosa linguagem da não-discriminação que se pode medir a difícil efetividade das pretensões de progresso moral e político da Constituição de 1988. Este curso almeja, nessa linha, explorar um território particular da violação de direitos na cultura política brasileira, uma agenda que possui tanto denominadores comuns quanto desafios próprios que a diferenciam da agenda genérica da proteção de direitos fundamentais. Trata-se de uma área de ensino e pesquisa à parte, um sub-ramo dos direitos fundamentais. Cursos propedêuticos de direitos fundamentais diluem o problema multi-facetado da discriminação dentro da lista genérica das declarações de direitos e não conseguem atender a essa demanda central da teoria dos direitos em geral, e do fenômeno da violação de direitos na realidade brasileira em particular. O curso intenta, por fim, avaliar amplos conglomerados normativos (nos planos internacional e doméstico, constitucional e infra-constitucional) que implementam políticas de combate à discriminação. Trata-se de disciplina optativa localizada no ponto intermediário do currículo da Faculdade de Direito, num momento da graduação em que alunos já acumularam uma bagagem razoável em direito público e podem fazer incursões mais problematizantes na análise da efetividade dos direitos na sociedade brasileira.
O curso pretende abordar esse conjunto de temas básicos: • Linguagem dos direitos e discriminação • Igualdade formal e igualdade material • Autonomia privada e discriminação (efeito horizontal de direitos fundamentais) • Os índices da discriminação: raça, gênero, orientação sexual, religião, idade, origem geográfica, perfil sócio-econômico, aparência física, habilidade física etc. • A discriminação “à brasileira” • Os agentes da discriminação • Os espaços públicos e privados, os ambientes institucionais e sociais da discriminação • Discriminação, liberdade de expressão e os constrangimentos do ‘politicamente correto’ • A inter-seccionalidade da discriminação • Preconceito, estigma e a cultura da discriminação
Ainda que se possa fazer ajustes e opções a cada semestre, o curso pretende abordar os problemas tratados por essa bibliografia básica: Addison, Neil. Religious Discrimination and Hatred Law. Routledge, 2007. Bernstein, David. You Can’t Say That! The Growing Threat to Civil Liberties from Antidiscrimination Laws. Cato Institute, 2003. Cohn-Sherbok, Dan. Leahy, Michael. The Liberation Debate: Rights at Issue. Routledge, 1996. Dill, Bonnie (ed). Emerging Intersections: Race, Class, and Gender in Theory, Policy, and Practice. Rutgers University Press, 2009. Dovidio, John. On the Nature of Prejudice: Fifty Years after Allport. Blackwell, 2005. Edmonds, David. Caste Wars: A Philosophy of Discrimination. Routledge, 2006. Fishbein, Harold. Peer Prejudice and Discrimination: The Origins of Prejudice. Lawrence Erlbaum Associate, 2002. Fredman, Sandra. Discrimination Law. Oxford University Press, 2011. Fredman, Sandra; Alston, Philip; Búrca, Gráinne (eds). Discrimination and Human Rights: The Case of Racism. Oxford University Press, 2011. Gregory. Women and Workplace: Discrimination Overcoming Barriers to Gender Equality. Rutgers University Press, 2003. Guest, Stephen. Milne, Alan (eds). Equality and Discrimination: Essays on Freedom and Justice. Steiner Verlag, 1985. Liamputtong, Pranee. Stigma, Discrimination and Living with HIV/AIDS: a cross-cultural perspective. Springer, 2013. Lyon, David. Surveilance as Social Sorting: privacy, risk and digital discrimination. Routledge, 2003. Oppenheimer, Foster & Han. Comparative Equality and Anti-Discrimination Law: Cases, Codes, Constitutions and Commentary. Foundation Press, 2012. Sargeant, Malcolm. Discrimination Law. Longman, 2004. Smith, Nicholas. Basic Equality and discrimination: reconciling theory and law. Ashgate, 2011. Somek, Alexander. Engineering Equality: An Essay on European Anti-Discrimination Law. Oxford University Press, 2011. Subotnik, Dan. Toxic Diversity: Race, Gender, and Law Talk in America. New York University Press, 2005.