Possibilitar ao estudante o reconhecimento do corpo e do processo saúde-doença como realidades bioculturais, uma vez que articulam o plano orgânico e o cultural como elementos indissociáveis na construção social das representações e das experiências relativas a tais fenômenos. A partir dessa perspectiva, busca-se desenvolver no estudante competências profissionais marcadas por posturas de descentramento e de relativização da saúde e da doença, na medida em que estas deixam de ser apenas condições clínicas com características biológicas ou psicológicas definidas. Sendo assim, ao final da disciplina o estudante deverá compreender os aspectos relacionados à produção social e aos significados culturais do corpo e do processo saúde-doença, bem como os elementos que orientam e modelam as formas como cada grupo social organiza suas práticas de cuidado em saúde com vistas ao bem-estar, ao enfrentamento dos infortúnios ou em face de debilidades físicas, psicossociais e da morte.
Compreensão da importância dos aspectos culturais na concepção de corpo, saúde, adoecimento e na escolha dos tratamentos em saúde.
A disciplina está organizada em dois momentos: o primeiro, destinado à abordagem de conceitos básicos da antropologia; e o segundo, voltado às análises antropológicas que tomam o corpo, a saúde e a doença como objeto. 1. O campo da Antropologia. 2. A Antropologia do Corpo e da Saúde no Brasil. 3. Natureza e cultura. 4. Diferença e diversidade cultural. 5. Etnocentrismo e relativismo cultural. 6. Cultura, saúde e doença. 7. Corpo, cultura e sociedade. 8. A produção social dos corpos do “paciente” e da enfermeira. 9. Cultura, cuidado e práticas de saúde. 10. Diversidade cultural dos sistemas de cura e de tratamento. Saberes Cognitivos: 1. O campo da Antropologia: • Definições; • Breve histórico; • A questão do outro em antropologia (alteridade; estranhamento); • Contribuições e limitações atribuídas à antropologia como disciplina científica. 2. A Antropologia do Corpo e da Saúde no Brasil: • Definição ou escopo; • Breve histórico; • As relações entre enfermagem e antropologia no Brasil em análise comparada com Estados Unidos, Inglaterra e Espanha; • A produção científica brasileira a partir dos anos 1980; • Contribuições da antropologia para o campo da saúde, em geral, e da enfermagem, particular. 3. Natureza e cultura. • Natureza humana. • Você tem cultura? • Natureza e cultura. • Cultura e história. 4. Diferença e diversidade cultural: • Ênfase nos marcadores sociais de gênero, classe, raça, etnia, lugar de origem/moradia, sexualidade, orientação sexual, identidade de gênero, geração/idade, renda, deficiência. • Desigualdades e privilégios. 5. Etnocentrismo e relativismo cultural. • Conceito de etnocentrismo; • Níveis e consequências do etnocentrismo; • Relativismo cultural. 6. Cultura, saúde e doença. • As interpretações sociais e culturais da saúde e da doença (realidade biocultural); • A doença como experiência; • Concepções e modelos explicativos populares e eruditas de saúde e doença. 7. Corpo, cultura e sociedade. • Historiando o (desencantamento) do corpo; • Corpo como realidade biocultural ou físico-moral; • Lógicas sociais e culturais do corpo: as técnicas do corpo, a gestualidade, a etiqueta corporal, a expressão dos sentimentos, as percepções sensoriais, as técnicas de tratamento, as inscrições corporais, a má conduta corporal. • O corpo rascunho em tempos de epidemia do fitness. 8. A produção social dos corpos do “paciente” e da enfermeira. • Corpo e formação profissional em saúde: o corpo objetificado. 9. Cultura, cuidado e práticas de saúde. • Cuidado e cultura • Cuidado popular e cuidado profissional • Cuidado profissional e imposição cultural • O conceito de cuidado cultural de Madeleine Leininger • O cuidado e as práticas de saúde na sociedade contemporânea (autorresponsabilização, vida saudável, aprimoramento, mudanças nos rituais, etc.) 10. Diversidade cultural dos sistemas de cura e de tratamento. • Sistemas culturais e sociais de saúde • Pluralismo na assistência à saúde • Itinerários terapêuticos • Os setores dos cuidados à saúde: informal; popular; e profissional - paradigmas; noções de corpo, saúde e doença; formas de classificação das enfermidades e infortúnios; formas de tratar as enfermidades e infortúnios; agentes e instituições de cura. • A prática profissional do enfermeiro em contexto de pluralismo na assistência em saúde – contribuições da Enfermagem Transcultural; • Modelo do Sol Nascente de Madeleine Leininger. Saberes Procedimentais: 1. Realiza atividades e discussões que lhe possibilita o exercício da reflexão, da autorreflexão e do raciocínio crítico sobre as situações vivenciadas nas interações sociais relacionadas à prática profissional da enfermagem. 2. Exercita a empatia na relação estudante-profissional da saúde, estudante-estudante, estudante-usuário dos serviços de saúde, estudante-docente. 3. Utiliza os saberes cognitivos socializados na disciplina para o aprimoramento das suas habilidades de comunicação na relação estudante-profissional da saúde, estudante-estudante, estudante-usuário dos serviços de saúde, estudante-docente. 4. Compreende a importância das narrativas das pessoas (usuários, profissionais, familiares, etc.) para a compreensão de sua história e contexto de vida. 5. Constrói modelos explicativos das doenças a partir do ponto de vista da pessoa adoecida e de sua rede de apoio social. 6. Relaciona-se em sala de aula adotando posturas de respeito e tolerância às diferenças das pessoas. 7. Participa de atividades e discussões em sala de aula sobre a identificação de posturas etnocêntricas e de imposição cultural nas relações pessoais e profissionais. 8. Participa de atividades simuladas (role playing, por exemplo) sobre negociar com o usuário e sua rede de apoio social em situações de produção de cuidados de enfermagem. Saberes Atitudinais: 1. Pratica a reflexão, a autorreflexão e o raciocínio crítico sobre as situações vivenciadas nas interações sociais relacionadas à prática profissional da enfermagem. 2. Adota posturas de empatia na relação estudante-profissional da saúde, estudante-estudante, estudante-usuário dos serviços de saúde, estudante-docente. 3. Aprimora as habilidades de comunicação na relação estudante-profissional da saúde, estudante-estudante, estudante-usuário dos serviços de saúde, estudante-docente. 4. Demonstra interesse nas narrativas das pessoas (usuários, profissionais, familiares, etc.) com vista à compreensão de sua história e contexto de vida. 5. Demonstra interesse em compreender os modelos explicativos das doenças a partir do ponto de vista da pessoa adoecida e de sua rede de apoio social. 6. Demonstra posturas de respeito e tolerância às diferenças das pessoas (usuários, profissionais, familiares, colegas de turma, docentes, etc.). 7. Evita posturas etnocêntricas e imposição cultural nas relações pessoais e profissionais. 8. Demonstra capacidade de negociar com o usuário e sua rede de apoio social em situações de produção de cuidados de enfermagem. Método de Ensino: Aulas expositivas, seminários, leituras dirigidas, trabalhos em pequenos grupos, discussões de vídeos e filmes, role playing, júris simulados, produção de trabalhos escritos e outras estratégias de ensino-aprendizagem centradas no estudante.
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