Este curso tem o objetivo de discutir as principais contribuições do pensamento liberal à escrita da História e sua pertinência para o debate historiográfico contemporâneo. Tendo como pano de fundo o estudo de autores liberais, o curso pretende abordar três questões essenciais à formação de pesquisadores e de professores de História: a racionalidade, a causalidade e a agência humana. Assim, ao invés de tratar a formação de professores em um tópico específico, “História e Liberalismo” pretende contribuir para esse objetivo através de uma reflexão sobre alguns dos princípios basilares da disciplina histórica. O curso também prevê, como uma das formas de avaliação dos alunos, a realização de seminários, o que ajudará no desenvolvimento da prática pedagógica dos matriculados.
A recepção, entre os historiadores, do livro O Fim da História e o último homem, de Francis Fukuyama, contribuiu para reforçar a ideia de incompatibilidade entre Liberalismo e História. Da mesma forma, o debate político dos últimos anos, no Brasil e no exterior, tendeu a apresentar, por vezes, o Liberalismo como uma doutrina essencialmente econômica. Longe de se limitar à justificativa de um determinado modelo econômico, ou mesmo de um projeto político, o Liberalismo reuniu autores engajados em questões centrais à prática e à teoria da História. De um ponto de vista epistemológico, esses pensadores se dedicaram a adequar a disciplina à mudança de paradigma científico observada no início do século XX, seja advogando por princípios universais de investigação – como o preceito da falseabilidade de Karl Popper –, seja defendendo o distanciamento entre as humanidades e as ciências naturais – como na crítica de Friedrich Hayek ao cientificismo. De um ponto de vista temático, historiadores liberais estimularam a análise sobre o papel do indivíduo nos processos históricos, sobre a influência da racionalidade nas ações dos atores históricos, bem como sobre as conexões causais dos eventos entre si e dos eventos com os processos históricos. Cabe salientar que a ênfase na agência humana não se deu por meio um retorno à historiografia romântica do século XIX, mas de maneira a responder ao problema das contingências do social na ação humana, tal como enfatizado, ao longo do século XX, por proponentes de visões holísticas da história. Nesse percurso, a vertente liberal fomentou a investigação segundo eixos que, se não inéditos entre historiadores, nem sempre haviam sido trabalhados com a mesma centralidade aferida em disciplinas análogas, como a Sociologia, a Economia ou a Ciência Política. São eles: os modelos de explicação causal, de agência humana e de ação racional. Não se pretende aqui uma análise panorâmica da tradição liberal, mas dar ênfase em alguns autores cujas obras trazem contribuições, por vezes discrepantes, para a compreensão dos eixos mencionados.
Liberalismo e "fim da História" - Francis Fukuyama e a democracia liberal O problema da causalidade histórica - Karl Popper e a crítica ao historicismo - Benedetto Croce e o historicismo da liberdade Liberdade e Racionalidade - Norberto Bobbio: Liberalismo e Estado - Milton Friedman e a indivisibilidade da liberdade - Ludwig von Mises: cataláxia e mercado Ação e História - Isaiah Berlin e a inevitabilidade histórica - Friedrich von Hayek: mercado e evolução social - Raymond Aron e a "crise moral" das democracias liberais
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