O conceito de ‘cultura’ – a kultur alemã, base da Antropologia científica que se afirma no século XIX – enraíza-se nos resultados obtidos ao longo do ‘Processo Civilizador’ (Norbert Elias) que caracteriza a perspectiva peculiar de toda a Idade Moderna. Esta, todavia, a partir do Humanismo e da ‘Cultura do Renascimento’ (Jacob Burckhardt), pensa em si própria, não em termos culturais (não possui o significante e, portanto, o seu significado), mas em termos de ‘civilização’. Segundo os objetivos do curso, visamos destacar como o significado desse último termo desprende-se à luz da relação que se estabelece nos e entre os duplos binômios: “antigo/moderno” e “selvagem/civil”. A partir dessa perspectiva, o próprio Re-nascimento se constituirá enquanto fundamento da “civilização moderna” a partir de sua peculiar releitura da civitas antiga: e isso da mesma forma em que a releitura moderna da religio antiga preparará a “confissionalização” dos Estados modernos (o resultado mais significativo da Re-forma) e a releitura da revolutio (a antiga política da estabilidade) preparará o novo conceito de Revolução (‘científica’ antes que propriamente ‘política’).Ao mesmo tempo em que (na base dessa perspectiva “civilizacional”) a primeira Idade Moderna realiza o cruzamento dos dois percursos (antigo e moderno, selvagem e civil), determina-se uma nova e revolucionária perspectiva antropológica surgida de um outro importante cruzamento – logo interpretado em termos de confronto de civilizações: isto é, o encontro entre culturas européias e culturas indígenas americanas. A esse propósito, vale apontar para o fato de que o próprio processo de centralização dos Estados Nacionais europeus não pode ser compreendido sem levar em consideração, também, a discussão sobre a humanidade americana e seus conseqüentes resultados políticos que repercutirá profundamente no contexto da disputa colonial e sobre o ideário político da Europa ocidental. A América manterá uma função interlocutória fundamental para a elaboração desse novo ideário político, que devia transformar profundamente a história européia e que, ao mesmo tempo, resultará na “europeização” do mundo e na “mundialização” da História. Dentro desse percurso, visa-se analisar, finalmente, as conseqüentes problemáticas de reestruturação da Europa que preparam as bases para que ela possa pensar, finalmente, a própria identidade e as diferenças (alteridades) em termos de Cultura: os resultados do amadurecimento do ‘processo civilizador’ abrirá caminho para o sucessivo surgimento da Antropologia científica e para seu instrumento analítico privilegiado, o conceito de cultura.
1.Programa:1.A Civitas na cultura Renascentista italiana:Humanismo moderno e Renascimento antigo;Historicização do (termo) Renascimento e de sua ‘revolução’;Analogia, comparação e interpretação entre ‘Antigo’ (dimensão histórica) e ‘Selvagem’ (dimensão antropológica);As bases renascentistas de uma ‘invenção da Humanidade’ e o surgimento de uma perspectiva antropológica.2.A Civitas Dei na cultura da Reforma:As “pré-reformas” católicas;Peculiaridade do “retorno ao antigo” da Reforma protestante;A “guerra catequética” entre Reforma e Contra-reforma;Catequese e Civilização.3. Civilização e Sociedade na primeira Idade Moderna:Tradição e subjetividade;Sociedade e consciência;Disciplinamento social na Europa Ocidental;Identidade e Alteridade.4. Problemáticas ‘Culturalistas’ na Antropologia científica:A construção civilizacional da Alteridade: ‘Politeísmo’ e ‘idolatria’: formação histórica das categorias analíticas;A construção cultural da Alteridade: ‘aculturação’ e ‘transculturação’;As categorias analíticas como linguagem interpretativa.
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