No debate contemporâneo já é corrente o diagnóstico de um esgotamento da representação do social própria da sociologia clássica, ou melhor: própria das sociedades nacionais e industriais que conformaram o solo histórico a partir do qual as questões e categorias da sociologia foram formuladas. O debate não é de hoje, desde o final dos anos 1980 vem se armando um acirrado campo de polêmicas, abrindo-se a novas indagações que colocam em pauta a pertinência das coordenadas clássicas para o entendimento das sociedades modernas. Mais do que confrontar teorias e contrapor sistemas explicativos abrangentes, o objetivo é (i) identificar alguns dos pontos de inflexão no mundo contemporâneo que provocam deslocamento dos parâmetros clássicos das ciências sociais; (ii) discutir o modo como alguns autores vêm enfrentando essas questões e os desafios ao mesmo tempo teóricos e cognitivos que se apresentam; (iii) tomando como referência esses “fatos sociais” (novos ou redefinidos) e suas questões, identificar nos debates contemporâneos as novas perspectivas que vêm sendo abertas (ou redefinidas) do ponto de vista da investigação empírica ou teórica.Essas questões deverão ser tratadas sob o prisma das relações entre cidade, trabalho e sociedade. Pretende-se revisitar alguns tópicos da sociologia urbana com o objetivo de identificar os pontos de deslocamento cognitivo-teórico de forma a (i) situar as polêmicas e indagações contemporâneas e, no mesmo passo, (ii) situar as novas perspectivas do trabalho investigativo e seus (redefinidos) campos empíricos de pesquisa.
O curso será dividido em três partes de modo a oferecer aos alunos um repertório de referências teóricas e empíricas que lhes permitam bem situar as configurações societárias desenhadas sob o impacto das mudanças recentes do mundo contemporâneo, tendo como fio condutor e plano de referência os nexos que articulam as (re)configurações do trabalho e as (re)configurações da cidade e da experiência urbana. (i) Parte 1 - três sessões: A cidade e as ciências sociais. Tomando como referência a formação da sociedade industrial e os imperativos de formação dos Estados-Nação, pretende-se situar o lugar da cidade nesse período de formação das ciências sociais, dando destaque ao campo semântico e o espaço conceitual no qual as categorias sociológicas formam definidas. Com essa discussão pretende-se mostrar o quanto as categorias formadoras da sociologia, em particular a sociologia urbana, são tributárias da assim chamada sociedade do trabalho e do que viria a ser, depois, definido como sociedade fordista. (ii) Parte 2 – três sessões: Crises e inflexões. A partir da discussão sobre o chamado capitalismo flexível, globalização da economia e seus impactos nos mundos urbanos, pretende-se situar os deslocamentos nas relações entre cidade e trabalho e o modo como a questão foi tratada no âmbito dos estudos urbanos;(iii) Parte 4 – seis sessões. Este é o tópico principal do curso. De uma maneira geral, pretende-se seguir as questões propostas por autores que propõem a necessidade se desvencilhar do que foi definido como “nacionalismo metodológico” para re-situar o lugar da cidade no mundo contemporâneo e, mais ainda, para tomá-la como prisma para o entendimento das mudanças em curso desde meados dos anos 1990. Em outros termos, a questão posta no debate contemporâneo diz respeito a deslocamentos importantes no campo epistêmico: modo de se construir os objetos, de interrogar as realidades, de formular as questões e construir repertórios conceituais. Nesse tópico será importante fazer os alunos tomarem conhecimento das pesquisas e dispositivos de pesquisa que vem sendo propostos e exercitados no campo dos estudos urbanos.
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